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Série: Escrita Quintalista. Uma Filosofia Enraizada no Corpo, na Natureza e no Daimon

Atualizado: 8 de jul.

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"A escrita quintalista é rito de retorno: nos leva, através dos sonhos, ao Daimon — o sopro divino que vela sobre o tesouro escondido no coração de um canteiro de rosas."

Silvia S Sant'Ana






Há músicas que não apenas tocam — acolhem, celebram. The Memory of Trees, de Enya, é uma dessas. Ela nos conduz a um ambiente de reverência e respeito — ao etéreo, à natureza, ao divino, às árvores. É trilha para os olhos que alcançam, nos raios de sol que atravessam os galhos, uma centelha sagrada. Essa música, memória das árvores, nos ajuda a focar, a enraizar a atenção nesse espaço fecundo onde se encontram a terra, o ar, o sol e a água.
A Escrita Quintalista é isso: um campo de inspiração, introspecção e criação. E, ao som de Enya, podemos tocar esse espaço com mais presença. 
Vivemos tempos de urgência interior. A necessidade de resgatar memórias — para lembrar, ressignificar, escrever e reverenciar nossa história — é também um modo de viver. É reconhecimento da trajetória. É acolhimento de quem somos e do que herdamos. É escrita como cura, como rito, como reconexão com nossos ancestrais.
Ajuste o volume. Feche os olhos por alguns segundos e respire. Só então, permita-se seguir na leitura — e, quem sabe, recordar aqueles momentos mágicos guardados em algum canto do seu baú de memórias. A música é curta. Se sentir que deve, volte. E continue nesse ambiente quase hipnótico que a voz de Enya nos oferece.

Apresentação:


Todas as mulheres e homens que se inspiram diante de uma flor desabrochando, de um nascer do sol silencioso, de uma trilha rústica em meio ao mato, são também escritores de quintal. Todos que cultivam hortas, que cuidam de suas kalanchoes como quem embala um filho nos braços — esses também escrevem, são escritores quintalistas.


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O termo Escrita Quintalista nasceu de um grupo de mulheres que habitam o campo, num Distrito afastado da agitação urbana, onde o tempo corre diferente. Lá, cuidar do quintal é um gesto ritualístico e vital, um modo de estar no mundo. Essas mulheres me presentearam com esse conceito como quem oferece uma semente: com reverência e afeto. E ele brotou em mim como se já vivesse em minhas raízes.


Meu quintal é um espaço sagrado. Ali, contemplo minha jabuticabeira, escuto os pássaros, observo o desenvolvimento das plantas, das ervas, das flores. Ali, meus sentidos despertam: o olhar se aguça com os raios de sol filtrando pelos galhos; o tato percebe a textura das pétalas; o olfato se inebria com o perfume do alecrim, da lavanda, do manjericão. Meus pés descalços sobre a grama e as pedrinhas me conduzem a respirações mais profundas, mais conscientes.


Depois de regar as plantas, varrer as folhas secas e recolher os frutos caídos, uma palavra me encontra. Às vezes, é apenas uma imagem, uma memória ou um sopro de pensamento — mas é o suficiente para acender o fio condutor de um texto, de uma ideia, de uma revelação. É assim que escrevo: guiada por esse fio que me leva a lugares esquecidos ou ainda desconhecidos de mim mesma.


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Escrever, para mim, é uma forma de escuta e descoberta. Escrevo para encontrar partes ocultas, latentes, que anseiam por viver, florescer. Escrevo para libertar a verdade que se esconde entre os enganos que inventei para não ser quem sou. A escrita me ajuda a acessar meu baú de memórias, minha caixa de Pandora, onde se misturam esperanças perdidas e experiências desafiadoras. Todos temos essa caixa dentro do coração — e escrever é uma maneira de abri-la com coragem.


O quintal não apenas inspira: ele ensina. Ensina o tempo das coisas. Ensina que toda ideia, como uma semente, precisa de silêncio, escuro, cuidado. Ensina a germinar, florescer, podar, deixar morrer o que não serve mais. O inverno é certo, ainda que seco, sem cor, frio e escuro. Mas ele também prepara o terreno para a primavera. Uma árvore não frutifica sem antes atravessar o ciclo inteiro.


O tempo do quintal é o tempo da escrita. Aprender a passar pelas estações da criação sem apego nem pressa é uma arte. Uma filosofia. E é essa filosofia que desejo compartilhar com você nesta série: a Escrita Quintalista como campo sensível, fértil, onde as ideias se desenvolvem com o ritmo da natureza — e onde escrever é um gesto de cuidado, de presença e de amor.


Por fim, é importante lembrar que a escrita quintalista não acontece, necessariamente, no espaço físico do quintal. O jardim, o vaso, a trilha, a natureza — são apenas fontes de inspiração que podem brotar em qualquer lugar, porque somos feitos de terra, água, ar, fogo e silêncio. Nosso corpo é um jardim, um quintal interior — talvez o mais fértil e potente campo de criação. O corpo como jardim não é apenas uma metáfora: é um símbolo encarnado, um espaço fértil de fato, um território vivo de criação.


Seja bem-vinda, bem-vindo, ao quintal da escrita.



Intenção na Escrita:

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Minha intenção com esta série é convidar você a cultivar um espaço de escuta e criação, onde a escrita brota da experiência sensível com o mundo — como quem colhe do chão uma palavra semente. Quero partilhar um jeito de escrever enraizado no corpo, no tempo da natureza e na delicadeza imperfeita da vida cotidiana. Que esse modo de escrita possa inspirá-lo a não deixar passar despercebidos os momentos simples no jardim ou no quintal — pois eles podem ser profundamente reveladores e conectar você a memórias e experiências incríveis, que merecem ganhar forma no papel.


A palavra, fio condutor de um texto; a memória, fio condutor de uma história; a ideia, fio condutor de uma mudança — todas elas habitam em nós. O que está fora é apenas reflexo ou catalisador de um movimento que já pulsa por dentro. Ainda que não saibamos conscientemente, nossa essência sabe. Nosso daimon — essa voz interior que conhece o caminho — sussurra o chamado. O convite é confiar nesses fios que se entrelaçam dentro de nós e nos conduzem, passo a passo, ao destino que nos foi sonhado.


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Síntese:
"A enxada, a câmera e a caneta desceram comigo às profundezas da minha terra. De lá, emergiram paz — e estes postais."

Convite:
Você já reparou como uma imagem — um postal, essa tecnologia poética da conexão — pode ser um portal? Uma fresta aberta no cotidiano, por onde o olhar atravessa e algo dentro da gente se move. Quando um portal se abre, é sinal de que chegou o momento de germinar nossos sonhos mais íntimos.
Os postais são sementes simbólicas de pensamento, sensação e memória. Eles nos convidam à reflexão e à conexão. Cada um carrega um fragmento de mundo, um espelho, um símbolo, um chamado.
Se você sentir o convite ecoar aí dentro e quiser revisitar comigo esses caminhos, ficarei muito feliz em te ouvir.

Gratidão por estar aqui comigo!

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Livros que guiam: 

ESTÉS, Clarissa Pinkola — Mulheres que Correm com os Lobos, 

GARCÍA, Héctor e Francesc Miralles —Ikigai

HILLMAN, James — O Código do Ser

ORWIG, Chris —  A Luta Criativa



 
 
 

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