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Ciclo - Infinitas Memórias

Atualizado: 6 de set. de 2022

Por Alexandre Naves

 




Alexandre é Graduado em Letras pela UFU. Leitor voraz de Santo Agostinho. E por isso sempre se utiliza dessas referências ao tempo, tentando degustar a essência do filósofo. É contador por profissão e também contador de história. Apaixonado numa moto e bike. Sobre duas rodas os pensamentos ganham asas. Aprecia e dá valor a uma boa conversa. É pai, avó, amigo e companheiro. Ama a vida que Deus lhe concede!

Deus tem me concedido uma boa memória com vivacidade de detalhes. Para muitas delas parece que só vão abrir com uma chave. Neste caso, me aparece uma chave por meio das mãos desta querida amiga Silvia. A começar pela forma de apresentação do livro, que me veio embrulhado em “papel de pão” amarrado elegantemente num rústico barbante. E aquele galhinho de folhas...? Ao abrir, a capa nos remete a “infinitas” memórias. O símbolo assim nos sugere. Coisa de engenharia das ideias, das letras e imagens. Isso sim! Com muito orgulho e um dedo de prosa descontraída; ali na mesa de trabalho e de repente, com a visita surpresa da autora. Um livro para ser namorado como se namora as frutas verdes grudadas nos galhos esperando o seu tempo. Um livro para ser degustado como se degusta o fruto a seu tempo e ao seu sabor.


“Infinitas memórias” 

Morávamos a família numa pequena área rural próxima à cidade onde fomos criados aqui no Triângulo Mineiro. Naquela tarde quente de calor, subíamos; pai e mãe beirando a margem esquerda do rego d'água que descia desde antes da sede da fazenda e chegava até nossa modesta casa de chão batido. Essa água que descia corrente era a base da irrigação da horticultura de seu Olavo e a lida doméstica. Ele costumava usar uma roupa de passeio, numa ocasião destas e pra acompanhar, trocava chapéu surrado e botinas por outros adequados ao dia. Muito provável que aquele dia seria um dia de guarda de Santo ou Domingo. Deveria ser no meu mês de nascimento, novembro.





Quando pra nós as frutas apareciam em grandes variedades de gosto, cheiro e sabor. A mãe sempre se referia ao marido por Olavo, enquanto ele sempre suprimia o “E” inicial do nome dela, e a chamava de Nedina. Ela em seu confortável sapato de passeio e vestido na canela, cheirando a um suave patchouli. Se em casa, usava o cabelo sempre preso. Neste passeio soltava-os ao vento. Meio comprido e preto ficava muito bem para ela em sua cor morena e estatura média perto do marido. Os olhos de minha mãe? Vim saber mais tarde que se pareciam com duas frutas. Mas neste momento eu não sabia qual das frutas e nem seu nome.


Como toda criança que não resiste ao novo, levei minha pequena mão num capim à beira d'água e quando puxei com força, me vieram três cortes. O que é isso mãe? É o capim navalha filho. Lição aprendida. Sem choro e as águas lavaram e levaram. O trajeto de casa até à sede de onde o pai arrendava, um pouco íngreme, dava em torno de um km no máximo. Na chegada, tornava-se plano, mostrava uma casa de assoalho já muito desgastada com o tempo. Um casal muito bom e que eram amigos dos pais nos recebia com muita cortesia. Para quem é desse tempo imagina que mãe era muito cuidadosa.


Tinha hora pra visitas. Nem na hora do almoço e nem muito tarde para ficar próximo “da janta”. Então no intervalo da tarde. Mesmo assim dona Judith tinha uma mesa como era costume da época com doce de leite, queijo e biscoitos.

Eles conversavam, teciam planos. Eu não era menino de ficar longe dos pais. Comportado como deveria ser. Bastava um olhar. Essa comunicação era muito forte entre nós. Havia respeito. Seu Miguel saiu para mostrar algo de planta para meu pai. Neste momento a recomendação de mãe: se for para chupar jabuticabas, não pode misturar com as coisas postas na mesa: A mesa já estava posta, mas não servida. Naquele tempo menino ou menina não fazia falta de educação. Puxa! À beira do rego d’água uma meia dúzia de árvores robustas carregadas de frutas. Pai o que é? Jabuticabas, filho. Me ensinou como colher, lavar e levá-las à boca. Como lembro desta cena em meio a chão molhado, folhas, pássaros...


Enquanto me deleitava com essa novidade, ele me ensinou que em meio a elas poderia ter também – e tinha – alguns marimbondos... cuidado “Lixandre”, como então me chamava.

Me lembro do sabor como se hoje fosse. O gosto único, experimentado pela primeira vez, o caldo da fruta absorvido em minha boca, tudo novo.



Das memórias ao Ciclo


CICLO, me encantou em estilo, em trechos e frases, imagens... Pode me proporcionar o resgate das lembranças na memória. E quão isso nos é importante. As conexões, as sinapses mentais na velocidade fantástica me levam e me trazem a um tempo (Passado? Presente?) que só eu sinto e vivi... Vivendo. Como lidar com as imagens, os sons, os cantos, os gostos e sabores e conviver com os marimbondos na vida árdua? Nunca mais levei a mão a um capim navalha. Mas sempre que as jabuticabas me estão ao alcance, lembro daquele caminho. Lembro de pai muito cuidadoso. E daqueles doces olhos de mãe, que me remetem a um par de jabuticabas, em seu penetrante fio a nos fitar dentro da alma.


De volta desta viagem, a presente obra cumpre muito mais que isso: “Ciclo – uma poética dos sentidos e da percepção”, me fez apreciar cada foto e cada fato. Neste viés, a obra pode e se torna infinitamente infinita (redundante?) Acho que não! A sacada da autora quanto ao símbolo infinito na capa me fez lembrar da importância do mesmo, para a ciência e matemática. Sobretudo para as infinitas possibilidades que o Senhor Deus nos concede a cada instante.


Para fechar essa prosa caligrafada digitalmente, o próprio Dr Guimarães Rosa em seu “Grande Sertão – Veredas”, o insere na última frase: “Existe é homem humano. Travessia”.






Cara amiga Sílvia. Que Deus lhe conceda esta mente criativa, lhe dê passos firmes e muita saúde, para nos presentear com galhinhos de jabuticaba, que imagino está criando uma marca... nos galhos e estradas da vida.

Um Forte abraço. Muita paz! A releitura do livro me rasou os olhos d'água, lembranças, jabuticabas misturadas às cores e brilhos do olhar penetrante daqueles olhos de mãe.



Alexandre Naves

Uberlândia Agosto de 2022

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